Alimentação vegetariana
Do ponto de vista nutricional
A adoção à alimentação vegetariana tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos. A integração total ou quase total de produtos de origem vegetal deve-se a vários fatores de ordem ecológica, ética, filosófica e nutricional. Do ponto de vista nutricional, consumos elevados ou exclusivos de tais produtos parece relacionar-se com a diminuição da probabilidade de contrair doenças crónicas e também com a otimização do seu tratamento 1,2.
Uma alimentação vegetariana, quer seja estrita ou não, para que bem planeada deverá incluir hortícolas, frutas, grãos integrais, leguminosas, frutos oleaginosos e sementes de preferência da época e minimamente processados, de modo a providenciar uma nutrição adequada1.
Uma alimentação vegetariana saudável poderá ser adequada em qualquer fase do ciclo de vida, incluindo a infância, adolescência, gravidez, lactação, população idosa e atlética, desde que devidamente planeada e monitorizada1.
Benefícios/Terapêutica Nutricional
A alimentação vegetariana tem sido estudada nos últimos anos, principalmente como terapêutica na prevenção de doenças do século XXI. Vários estudos indicam que esta poderá ser efetiva na perda de massa corporal (obesidade), na diminuição da incidência de hipertensão arterial, doenças cardiovasculares3, hiperlipidemias4, síndrome metabólica e aterosclerose, doença oncológica e diabetes5,6. Tal relaciona-se com o facto de este tipo de alimentação ser rica em substâncias benéficas para a saúde como fibras, fitoestrogéneos, antioxidantes e fitoquímicos.
No entanto, para tais benefícios poderão contribuir outros fatores não nutricionais associados a um estilo de vida saudável: a prática de atividade física, o não ou baixo consumo de álcool e tabaco e, ainda, a literacia em saúde6.
Considerações nutricionais
Para que uma alimentação vegetariana seja nutricionalmente adequada deverá garantir-se a ingestão apropriada e a biodisponibilidade de alguns nutrientes como a proteína, ácidos gordos essenciais, vitamina b12, vitamina D, iodo, ferro, cálcio e zinco.
Proteína
As proteínas atuam em vários processos biológicos, assumindo funções estruturais, bioquímicas, de transporte, imunológicas, entre outras. A sua ingestão adequada é essencial, principalmente para lactentes, crianças, atletas e idosos, pois são populações com maiores exigências proteicas em comparação com a população adulta7,8.
No que respeita a ingestão proteica diária é consensual que uma alimentação vegetariana, desde que respeite o aporte energético requerido é passível de suprimir as necessidades proteicas. Quanto aos aminoácidos essenciais e a proteínas “completas” e “incompletas”, o mais pertinente continua a ser atingir as necessidades energéticas diárias e o consumo de várias fontes de alimentos de origem vegetal ao longo do dia, com este último garante-se a quantidade necessária de aminoácidos essenciais1. A qualidade da proteína não só é determinada pelo seu conteúdo em aminoácidos essenciais, mas também pela sua digestibilidade. Assim, fontes de proteínas vegetais concentradas ou purificadas (i.e., proteína de ervilha, proteína de arroz, glúten) apresentam elevada digestibilidade (>95%) semelhante a proteínas de origem animal. Já alimentos como as leguminosas ou os cereais apresentam uma digestibilidade inferior (cerca de 80-90%), sendo que a proteína dos restantes alimentos de origem vegetal (ex: hortícolas) apresentam uma digestibilidade inferior pela existência de parede celular e presença de fatores anti nutricionais7.
Uma vez que a digestibilidade e o conteúdo em aminoácidos de alimentos de origem vegetal é relativamente inferior aos de origem animal, poderá ser apropriado ingerir quantidades de proteína superiores às recomendações para a população em geral7. No entanto, este aumento é facilmente atingível até mesmo para as populações com necessidades superiores através do consumo variado de alimentos de origem vegetal1,7.
Como fontes alimentares temos: concentrados de proteínas vegetais, leguminosas, produtos à base de soja, cereais integrais e pseudo cereais, frutos gordos e sementes.
Ácidos gordos essenciais ómega-3
Os ácidos gordos essenciais ómega-3, ácidos estes não sintetizados pelo corpo humano, são responsáveis para o bom funcionamento fisiológico, armazenamento de energia, constituição da membrana celular, transporte de oxigénio e função imunitária1,9.
Enquanto que a ingestão dietética do ácido gordos alfa-linolénico (ALA) é semelhante tanto em indivíduos que sigam uma alimentação vegetariana ou omnívoros, a ingestão dos ácidos gordos ómega-3 de cadeia longa como o ácido eicosapentaenóico (EPA) e o ácido docosahexaenóico (DHA) é inferior em vegetarianos ou estritamente vegetarianos, o que se verifica pelas quantidades séricas mais reduzidas a nível do sangue e dos tecidos1.
Alguns alimentos de origem vegetal podem suprir as necessidades em ómega 3, sendo as algas/microalgas fontes de EPAH e DHA; e as sementes de linhaça, chia, cânhamo e nozes fontes de ALA1. O rácio de ingestão adequada de ácidos gordos essenciais ómega-6:ómega 3 deverá ser de 2:1 a 4:1. Uma vez que, facilmente se obtém quantidades de ómega 6 a partir dos alimentos, deverá incluir-se alimentos como as sementes de linhaça e/ou o seu óleo contribui para o balança mais equilibrado deste rácio, tendo em conta que a proporção de n-6:n-3 é de cerca de 1:51,9.
A suplementação ou alimentos fortificados em DHA e EPA poderão ser uteis para indivíduos vegetarianos. A combinação destas com fontes alimentares de ALA, como sementes de linhaça, chia e nozes relaciona-se com ganhos em saúde e otimização do desempenho desportivo10. Sendo que, também em situações de gravidez e lactação a ingestão de alimentos fortificados ou suplementação recomenda-se.
Fontes alimentares: algas, microalgas, sementes e óleos de linhaça, chia e cânhamo, soja, nozes e beldroegas.
Vitamina D
A vitamina D é uma vitamina lipossolúvel que se relaciona com a densidade mineral óssea, regula os sistemas muscular, imunitário e cardiovascular e, ainda, aumenta a eficácia da absorção intestinal do cálcio e do fósforo2.
Os níveis de vitamina D corporais dependem da exposição ao sol e do seu consumo através de alimentos fortificados (ex: bebidas vegetais, cremes vegetais, cereais de pequeno-almoço e pão) ou suplementação1. Nas causas para a deficiência desta vitamina estão a redução da sua síntese pela pele, a redução da absorção e doenças adquiridas ou hereditárias que possam comprometer o metabolismo da vitamina. A deficiência de vitamina D não diagnosticada é comum, dado que as recomendações comummente não são atingidas, tanto em populações vegetarianas como não vegetarianas1,9.
Uma exposição solar de 5 a 30minutos entre as 10h e as 15h, duas vezes por semana, durante a primavera e verão, poderá ser suficiente para atingir as necessidades.
Em casos em que a ingestão de alimentos fortificados e/ou a exposição solar não sejam suficientes, recomenda-se a suplementação em vitamina D, especialmente em idosos e no inverno1. Esta apresenta-se como segura para valores de 5 a 10 microgramas/dia, quer para a população vegetariana, como não vegetariana2.
Fontes alimentares: alimentos fortificados como bebidas e cremes vegetais, cereais de pequeno-almoço e pão
Vitamina B12
A vitamina b12 é uma vitamina essencial à síntese de ADN (ácido desoxirribonucleico) e na manutenção da integridade da mielina das células nervosas. Esta é sintetizada por microrganismos, pelo que, animais e plantas não a sintetizam. Os animais adquirem-na através da ingestão alimentar ou pela produção da microbiota intestinal. O que faz com que a vitamina b12 se apresente viavelmente em alimentos de origem animal em pequenas doses. Quantos aos produtos de origem vegetal, existem algumas algas que contém esta vitamina, mas a sua biodisponibilidade é muito baixa, não se considerando como fonte útil para a sua obtenção7.
A biodisponibilidade desta vitamina em indivíduos ovolactovegetarianos varia de acordo com a quantidade e qualidade do consumo de alimentos de origem animal (ovos e lacticínios), bem como o consumo de alimentos fortificados (por exemplo, cereais de pequeno-almoço) e suplementos. Para indivíduos vegetarianos estritos as únicas fonte viáveis de vitamina b12 são os alimentos fortificados e a suplementação7.
A deficiência em vitamina b12 pode resultar em anemia megaloblástica, alterações neurológicas (ex.: demência) e diminuição da divisão celular. Nas causas para a deficiência em vitamina b12, para além do seu consumo insuficiente, incluem-se situações de malabsorção, como anomalias no trato gastrointestinal e a diminuição da eficiência de absorção desta vitamina a partir dos alimentos (neste caso, de origem animal). Este ultimo ponto, verifica-se frequentemente na população com idade superior a 50 anos11. Assim recomenda-se que avalie os níveis séricos desta vitamina.
Para indivíduos estritamente vegetarianos não existe nenhuma fonte natural para obtenção desta vitamina através da dieta, pelo que deverão ser ingeridos alimentos fortificados e/ou suplementos com o objetivo de prevenir a deficiência e manter as reservas corporais.
De modo a suprir as necessidades nutricionais desta vitamina dever-se-á:
- Consumir 2 porções de alimentos fortificados em vitamina b12 que forneçam 1,5-2,5 microgramas;
- Suplementar diariamente com 5-10 microgramas de vitamina b12;
- Suplementar com 1000 microgramas três vezes por semana ou 2000 microgramas uma vez por semana de vitamina b12.
Fontes alimentares: alimentos fortificados como alternativas vegetarianas à carne, extrato de levedura, bebidas vegetais e cereais de pequeno-almoço.
Ferro
Indivíduos que seguem uma alimentação vegetariana consomem relativamente mais ferro que indivíduos omnívoros, todavia apresentam reservas tipicamente inferiores, mesmo consumindo as mesmas quantidades de ferro12,13. Não obstante, não se conhece a magnitude fisiológica de níveis de ferritina sérica ligeiramente inferiores, pelo que alguns estudos referem que poderão ser benéficos, uma vez que níveis elevados de ferritina sérica estão associados ao risco de desenvolver síndrome metabólica1,13.
Posto isto, levantam-se algumas questões sobre a biodisponibilidade do ferro não heme proveniente dos alimentos de origem vegetal, uma vez que o ferro heme - comum nos alimentos de origem animal - apresenta uma absorção substancialmente superior13. A absorção do ferro não heme depende das necessidades fisiológicas e é regulada pelas reservas de ferro. Esta absorção é influenciada pela composição da refeição e situação sérica de cada individuo. A biodisponibilidade do ferro não heme é ajustada por fatores inibidores e facilitadores. Os fatores inibidores como os fitatos e polifenóis presentes no chá, café, especiarias, cacau e até redução da acidez gástrica e estados inflamatórios aumentados poderão diminuir a absorção do ferro não-heme2,12. Já os fatores facilitadores, como a vitamina C, ácido cítrico e outros ácidos orgânicos (frutooligossacáridos, vitamina A e betacaroteno) promovem a conversão de ferro férrico em ferro ferroso – a forma melhor absorivda1,2,6,13. Sabe-se ainda que o corpo humano se adapta e absorve o ferro não heme com eficiência, pelo que a magnitude dos efeitos dos fatores inibidores e potenciadores da absorção de ferro poderão diminuir com o tempo1,12.
Na prática recomenda-se a demolha de leguminosas, grãos e sementes e a adição de acidificantes (citrinos ou vinagre) por via de diminuir o conteúdo em fitatos.
É proeminente referenciar que qualquer deficiência em ferro identificada deverá ser tratada por via medicamentosa e não exclusivamente pela alimentação2.
Fontes alimentares: leguminosas, cereais integrais, hortícolas de cor verde escura, sementes e frutos gordos, tofu, tempeh, alimentos fortificados.
Cálcio
O cálcio é um mineral essencial à saúde óssea, função nervosa, muscular e coagulação sanguínea2. A ingestão de cálcio em indivíduos ovolactovegetarianos tipicamente atinge as necessidades nutricionais, já quanto a indivíduos estritamente vegetarianos o consumo tende a ser ligeiramente inferior às recomendações1.
No entanto, alguns estudos indicam que indivíduos vegetarianos absorvem e retêm maiores quantidades do mineral que não vegetarianos, apresentando uma densidade mineral óssea semelhante entre os dois grupos1,7. Tal explica-se por mecanismos de adaptação7. Quando as quantidades de cálcio ingeridas são habitualmente baixas, caso haja vitamina D presente e suficiente, a proporção de cálcio absorvida dos alimentos é aumentada10.
Para além de que, fatores relativos ao estilo de vida, hábitos tabágicos, peso e fatores genéticos exibem um papel mais importante na densidade mineral óssea que a quantidade de cálcio da dieta e a sua origem2.
A biodisponibilidade do cálcio nos alimentos de origem vegetal está inversamente relacionada com a sua presença em oxalatos e fitatos7. A absorção de cálcio por parte de alimentos com elevado teor em oxalatos como os espinafres, folhas de beterraba e acelga é de cerca de 5%, pelo que, mesmo sendo ricos em cálcio, não devem ser consideradas boas fontes deste mineral1. Em comparação, a absorção de vegetais pobres em oxalato como couve, couve chinesa, nabiça é de cerca de 50%. Comparando ainda com o leite de vaca, a absorção de alimentos fortificados em cálcio, como tofu ou bebidas vegetais apresenta-se semelhante, aproximadamente de 30%1.
Em suma, quem segue um padrão alimentar estritamente de origem vegetal poderá atingir as suas necessidades através de alimentos como as hortícolas de cor verde escura, leguminosas, sementes, frutos gordos e alimentos fortificados em cálcios. Para manutenção de níveis apropriados de cálcio, deverá ainda manter níveis adequados de vitamina D e bem como a adoção de um estilo de vida promotor de saúde7.
Fontes alimentares: hortícolas de cor verde escura, leguminosas, sementes, frutos gordos; alimentos fortificados como tofu, bebidas vegetais e cereais de pequeno-almoço.
Zinco
O zinco é um mineral essencial às funções metabólicas e apresenta um papel fundamental no sistema imunitário, sendo essencial no crescimento e desenvolvimento e, ainda, na acuidade do paladar2,14. Apesar dos alimentos de origem animal conterem quantidades superiores de zinco em comparação com os alimentos de origem vegetal e da população vegetariana, consequentemente, consumir menos zinco, não se verificam níveis plasmáticos significativamente inferiores em indivíduos com uma alimentação estritamente de origem vegetal quando comparando com omnívoros. Tal poderá ser explicado por mecanismos de adaptação associados à otimização da absorção do zinco2,7,14,15.
Em suma, a evidencia relata que apesar do consumo ser inferior em indivíduos vegetarianos, não existe um maior risco de deficiência do mineral14.
À semelhança do ferro, a biodisponibilidade do zinco poderá ser diminuída pelos fitatos presentes nas leguminosas, cereais integrais, frutos oleaginosos e sementes e, ainda, pela ingestão de suplementação em ferro (se bem que, a presença de ferro numa refeição não influencia a absorção de zinco). Assim, a preparação dos alimentos, tais como demolhar e germinar as leguminosas, cereais integrais, frutos oleaginosos e sementes, deverá ser uma prática utilizada de modo a facilitar a absorção do mesmo14.
Fontes alimentares: produtos derivados da soja, leguminosas, cereais integrais, frutos oleaginosos e sementes.
Iodo
O iodo é um elemento essencial tanto no desempenho desportivo como para o crescimento e desenvolvimento mental, desempenhando ainda um papel fundamental na função tiroideia e no metabolismo10. Tanto o consumo excessivo como deficiente poderão levar as disfunções da tiroide10.
O conteúdo de iodo nas plantas é variável e dependente da sua concentração nos solos, que atualmente é escassa. Assim, quem segue uma alimentação estritamente vegetal, sem o consumo de alimentos fortificados ou suplementação, poderá ter uma ingestão insuficiente deste micronutriente2,10.
Aconselha-se a substituição do sal comum pelo sal iodado, não excedendo as recomendações para o consumo de sal- 5g/dia, bem como a ingestão de algas, no entanto com devida precaução devido à variabilidade do seu teor em iodo (não exceder o seu consumo em 3-4 vezes por semana)2,10,16.
Fontes alimentares: sal iodado, algas.
Considerações finais
Uma alimentação vegetariana, desde que bem planeada, é saudável e adequada em todas as fases do ciclo de vida, podendo ser útil na prevenção e tratamento de doenças crónicas. No entanto, tal planeamento exige um mínimo de conhecimentos técnicos, pois como em qualquer padrão alimentar, situações de défices nutricionais são sempre admissíveis caso não se tome a devia atenção. Neste padrão alimentar, os nutrientes que carecem de maior atenção, após a adequação da ingestão energética, são os ácidos gordos essenciais, as vitaminas B12 e D, e os minerais cálcio, zinco, ferro, iodo.
Recomenda-se a realização de análises sanguíneas com regularidade e, em caso de dúvida, deverá consultar um profissional especializado.
Referências e materiais
Para que escolhas seguras e conscientes, seguem alguns documentos e/ou ferramentas de apoio a uma adoção da dieta vegetariana, de modo a tirar partido dos seus maiores benefícios.
Manuais:
- Linhas de orientação para uma alimentação vegetariana saudável (DGS, 2015): https://www.alimentacaosaudavel.dgs.pt/activeapp/wp-content/files_mf/1444910720LinhasdeOrienta%C3%A7%C3%A3oparaumaAlimenta%C3%A7%C3%A3oVegetarianaSaud%C3%A1vel.pdf
- Como evitar os défices nutricionais numa dieta de base vegetal (Sandra Gomes Silva): http://ovegetariano.pt/ebook/
Links:
- Vegetarian Nutrition Dietetic Practice Group by Academy of Nutrition and Dietetics: https://vegetariannutrition.net/
- Alimento, Planeta, Saúde – Dietas saudáveis a partir de sistemas alimentares saudáveis: https://eatforum.org/content/uploads/2019/07/EAT-Lancet_Commission_Summary_Report_Portugese.pdf
Livros:
- Vegan for Life: Everything You Need to Know to be Healthy and Fit on a Plant-based Diet! (Jack Norris, RD; Virginia Messina, MPH, RD. Capo Press, 2011)
- How not to die. (Michael Greger, Gene Stone. 2015)
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Rafaela Honório, Nutricionista parceira da Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) Membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas nº 3872N